Brasil e África- Teorias Eugenistas.
No Brasil, desde a chegada dos
primeiros africanos, várias ideologias sobre o negro vêm sendo elaboradas e
divulgadas. Teóricos de diferentes áreas do saber tentaram explicar e marcar a
diferença entre os povos brancos e os povos negros das mais diversas etnias.
Alguns autores consideram que o
contato entre os povos europeus e os povos da África sempre foi marcado pela
estranheza em função, principalmente, das diferenças de hábitos, costumes e da
cor da pele.
Segundo Gislene Santos
(2002) a cor negra já era associada à
características negativas antes mesmo da elaboração do conceito/idéia de raça
como elemento de diferenciação de grupos; e já no século XVIII, as concepções
racialistas lançavam as bases para o racismo desenvolvido ao longo de todo o
século XIX.
As teorias raciais ganharam
embasamento através da biologia e antropologia com suas técnicas de mensuração.
Teorias, essas, criadas por europeus, e que identificavam na raça branca todas
as características de superioridade e na raça negra as de inferioridade.
Ora, o apelo à raça foi
inventado por homens que necessitavam de ideologias que contribuíssem, entre
outras coisas, para a unificação nacional e justificasse, dessa forma a
dominação do negro pelo branco (Arendt, 2000:189).
Para tanto, o negro teve sua
condição humana negada, “todas as qualidades humanas são retiradas do negro uma
por uma” (Munanga 1988:23). Os negros foram considerados seres desprovidos da
razão, o que sempre foi tido como ponto de diferença entre o homem e os
animais. E se não possuíam razão, logo, eram inferiores, não desfrutando,
assim, dos direitos cabíveis aos homens, – podendo ser, dessa maneira,
submetidos a toda forma de violência. Desprovido de humanidade, o negro foi
escravizado geração após geração,
segundo as necessidades do imperialismo e foram considerados coisas
e não pessoas.
Sabemos que diversos pensadores
do século XVIII (Buffon, Diderot entre outros) desenvolveram teorias que
permitiram a classificação dos homens em grupos e raças e que essas teorias
racialistas foram fundamentais para a construção posterior, no século XIX, de uma imagem do negro como ser inferior. A
ciência funcionou como instrumento de dominação e de fabricação de ideologias.
“Antes do século XIX, os
acadêmicos pensavam que todos os povos estavam aptos para progredir, mas, em
meados do século, aumentou o apoio por uma teoria dos tipos raciais que
defendia não terem certos povos, por causa de diferenças inatas, capacidade
para avançar tanto como os outros. Os europeus tendiam a acreditar que as
divisões entre si próprios eram pequenas em comparação com o fosso que separava
os brancos das outras raças”.
Michael Banton, 1977: 76-77.
As técnicas de antropometria[1]
e frenologia foram utilizadas para justificar a inferioridade e a degeneração
atribuídas ao negro, e confirmar a superioridade branca, quer dizer, a
superioridade europeia.
Segundo Schwarcz, o
evolucionismo social, ou seja, a aplicação das teorias evolucionistas de
Charles Darwin ao meio social ganhou estatudo científico. Cria-se, então, que havia grupos superiores,
mais fortes e adaptados que deveriam comandar os inferiores e fracos. Mais que
isso, pressupunha-se que esses grupos não sobreviveriam sem o auxílio dos mais
fortes e que tenderiam, naturalmente, a desaparecer.
Os negros, considerados coisas
e não pessoas durante todo o período da escravidão foram facilmente
identificados a seres inferiores que aceitavam a submissão em função de sua
incapacidade para uma vida ‘civilizada’ e culta’.
Essa questão se colocava a todas
as colônias que utilizavam a mão-de-obra escrava e passou a representar um
problema no momento de suas emancipações. Ser uma nação representava, de acordo
com as teorias nacionalistas, ter um território unificado, uma lingua nacional,
um povo capaz de desenvolver o mesmo conjunto de valores, costumes e leis,
conforme salientam Eric Hobsbawn (1998) e Denise Silva (2002).
No século XIX, o Brasil ensaiava
os primeiros passos como República, e buscava criar um Estado Nacional. Mas,
havia um problema: como estabelecer uma nação em um país com tantos índios e
negros, estes, recém saídos da escravidão? O que fazer com a população negra,
para eles símbolo da inferioridade? Como um país que buscava o avanço poderia
alcançá-lo e se constituir como uma nação com tantos elementos considerados
selvagens, que não poderiam ser cidadãos, mas, que antes, limitavam a evolução
amarrando o país ao atraso?
Como já foi dito, neste período
os intelectuais brasileiros bebiam na fonte das teorias europeias e, para cá,
trouxeram elementos do evolucionismo, darwinismo social e frenologia, adaptando
e atualizando o que necessitavam. Segundo Schwarcz (1993: 19), isso tornava
problemática a construção do pensamento racial brasileiro já que os teóricos
brasileiros pensavem a realidade ‘nacional’ simplesmente como um duplo do que
ocorria fora do país. A partir do século XIX foram criados, no Brasil, os
Institutos Históricos e Geográficos que tiveram um importante papel na
elaboração de novas imagens para o Brasil pós-colonial, sua história e
territorialização. Para essa autora, era papel desses Institutos:
“Construir uma história
da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos
dispersos (...) “Colligir, methodizar e guardar” (RIHGB, 1839/I) documentos,
fatos e nomes para finalmente compor uma história nacional para este vasto
país, carente de delimitações não só territoriais”.
Schwarcz, Lilia. 1993: 99.
Alguns dos principais ilustrados
brasileiros que ajudaram a construir as teorias raciais do país, no século XIX,
foram Silvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e Nina Rodrigues.
Esses cientistas encontraram
reconhecimento dentro dos Institutos Históricos e Geográficos, e,
posteriormente, dentro das Escolas de Direito e Medicina no Brasil. Os
Institutos davam estatuto científico à construção ideológica da Nação, e às
teorias do pensamento racial, que ajudaram a construir a imagem do negro como inferior.
O determinismo geográfico também
foi utilizado para embasar essas teorias racistas. Exemplo disso está em uma
publicação da Revista do IHGB:
“Dai-me a carta de um
paiz, sua configuração, seu clima, suas águas, seus ventos e toda a sua
geographia física, informa-me de suas produções naturaes, de sua flora e
zoologia, e me comprometto a dizer-vos a priori qual será o homem deste paiz”.
RIHGB, 1839. Op.cit. p.109.
Foi no processo de eugenia que
esses teóricos encontraram as respostas para o que consideravam o problema
negro do Brasil. Através da miscigenação esperava-se que em cinco gerações o
Brasil fosse um país branco.
Silvio Romero via na mestiçagem
uma saída possível para o problema do Brasil. Já para Nina Rodrigues a
miscigenação era a responsável por doenças, e causa da imperfectibilidade
biológica. A eugenia[2]
reverteria e salvaria o país da degeneração.
“Raça é um dado
científico e comparativo para os museus, transforma-se em fala nos Institutos
Históricos de finais do século, é um conceito que define a particularidade da
nação para os homens de lei, um índice tenebroso na visão dos médicos. O que se
percebe é como em determinados contextos reelaboram-se símbolos disponíveis
dando-lhes um uso original. Se a diferença já existia, é nesse momento que é
adjetivada”.
Schwarcz, 1993: 242.
De acordo com Kabengele Munanga
(1996) racismo e preconceito existem em todas as civilizações e culturas,
porém, o problema é quando são transformados em armas ideológicas para
legitimar e justificar a exterminação, a exploração e a exclusão social.
Esse é o caráter do racismo
brasileiro, através da ciência o pensamento racial é legitimado, e com ela a
imagem de inferioridade e degenerescência que justificou a eugenia, a
exploração e a exclusão social sofrida pelos negros e mestiços.
Contudo, é interessante perceber
que há diferentes formas de se apropriar das
teorias científicas para definir, inventar ou construir uma imagem,
idéia ou ideologia sobre o que é o negro. No século XX, em 1930, Gilberto Freyre,
em sua obra “Casa Grande & Senzala”, inaugura a fase do racismo cultural
criando um novo mito, o da “Democracia Racial” (idem. 1996). Nesta obra Freyre,
aparentemente, se propõe romper com os preconceitos difundidos pelas ciência so
século XIX e defende a positividade da formação étnica do Brasil que, por sua
diversidade, não possuiria preconceito. Na realidade sua teoria de “harmonia
racial” como a define Renato Ortiz (1994: 93), criou uma nova ideologia e forma
de preconceito, que se manifesta até os dias de hoje, que é o preconceito camuflado
e silencioso. Segundo Munanga, esta harmonia é de fato um mito “pois a mistura [entre as raças] não
produziu a declarada democracia racial, como demonstrado pelas inúmeras
desigualdades sociais e raciais que o próprio mito ajuda a dissimular –
dificultando, aliás, até a formação da consciência e da identidade política dos
membros dos grupos oprimidos’ (1996: 216).
Ora, as ciências sempre
consideraram o senso comum como o lugar dos preconceitos e da mais fácil
absorção de estereótipos já que mais suscetível à imagens e ao imaginário.
Contudo, o que se percebe é que o conceito do negro como ser inferior, no
Brasil, foi construído com o apoio de diferentes ciências (geografia,
climatologia, direito, medicina, antropologia, frenologia, filosofia, história,
biologia, psicologia). E, aparentemente, somente algumas áreas (história e
principalmente a antropologia) têm intensificado o debate, a reflexão e a
crítica à essas teorias. Isso pode se constituir numa percepção equivocada da
produção realizada em outras áreas, mas, quando se quer estudar e compreender
as teorias sobre a inferioridade racial gestada outrora, somente encontramos
(quase sempre) referenciais na antropologia. A pergunta que se coloca a partir
disso é a seguinte: se todas as ciências listadas acima auxiliam a gerar o
mito da inferioridade do negro, estariam agora contribuindo para
desconstruí-lo? Se estão, de que forma isso ocorreria?
Sabemos que há uma produção
intensa da historiografia referente à questão do negro no Brasil criando novas
formas de se pensar sobre sua participação na história nacional (oficial e não
oficial). São diversos os teóricos: Joel Rufino dos Santos, Emilia Viotti da
Costa, Laura de Mello e Souza, Kátia Mattoso, Silvia Lara, entre os mais
conhecidos no Brasil e no exterior. O direito, contribuiu com a revisão das
leis e criação de novas formas de penalização do crime racial, o que só foi
possível a partir de um estudo rigoroso sobre um assunto que vem sendo tema
nacional desde a época de José Bonifácio, Perdigão Malheiros, Joaquim Nabuco,
entre tantos que questionavam o direito natural a escravidão até a produção contemporânea de autores como
Hédio Silva Jr., por exemplo que desmacaram a subjetividade por trás das leis,
o que impedem a penalização do crime de racismo. Já a antropologia é a
referência usual de toda a reflexão sobre o negro e a área em que os debates
sobre a questão racinal, no Brasil, tem sido mais constantes e profícuos, fato
demonstrado pela menção aos autores que oferecem o fundamento teórico a esse
texto. Mas o que teria sido produzido nas áreas da filosofia, psicologia,
medicina, geografia e educação (Sabemos que a área de
educação vem recebendo contribuição de diversos autores e pesquisadores
preocupados em discutir não só o racismo impregnado nos livros didáticos, como
também o silêncio em relação a essa prática em sala de aula. Não podemos
ignorar a produção de Petronilha Silva, dos pesquisadores da Fundação Carlos Chagas, de Roseli Fischman,
Eliane Cavalleiro, Irene Sales, Regina Pahin, Vera Lúcia, Ademil Lopes,
Henrique Cunha e outros e mais outros. Em contrapartida, ainda parece haver um
discurso forte dentro das universidades e instituições de ensino fundamental e médio que
dificultam uma discussão intensa do problema do racismo e da discriminação nas
salas de aula.
Autoria de Lucimaro Adriano Wenceslau. Adaptado de WENCESLAU, Lucimaro A. A invenção do Ser Negro (um percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade do Ser Negro). Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB, 2002. Nº 24, vol. 1.
[1] Antropometria e Frenologia
são técnicas, da Antropologia, aplicadas para a mensuração do cérebro, que
tinha como finalidade avaliar a capacidade humana. Também, a craniologia
técnica e medição do índice cefálico. Essa linha teórica afastava cada vez mais
dos modelos humanistas.
[2] Sobre eugenia ver
Schwarcz, L. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão
Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Cia das Letras, 1993, p.60-61.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES,
Rubem. Filosofia da Ciência. São Paulo: Brasiliense. 1981. p.
1-50.
ARENDT,
Hannah. As origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 188-215. 4ª reimpressão.
BANTON,
Michael. A idéia de Raça. Lisboa: Edições 70, 1977.
CARNEIRO,
Maria Luiza. O Racismo na História do Brasil: Mito e Realidade.
7ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
CARNEIRO,
Sueli. A Universidade e a educação para a diversidade. In: Ethnos Brasil:
São Paulo, 2002, nº 1. p. 29-38.
CHAUÍ,
Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Àtica. 2000. 4ª
reimpressão. ___________. Racismo e Cultura. Aula inaugural da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo:
São Paulo. 1993.
FOUCAULT,
Michel. A Arqueologia do Saber. Petrópolis, RJ: Vozes. 1972.
GIORGI,
Cristiano Amaral Di. Sociedade brasileira e globalização. In: Ethnos
Brasil: São Paulo, 2002, nº 1. p.55-62.
HOBSBAWN,
Eric. Nações e Nacionalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
MUNANGA,
Kabengele. Negritude: Usos e Sentidos. 2ª ed. São Paulo: Ática.
1988.
____________.
Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes. 1999.
____________.
A identidade negra no contexto da globalização. In: Ethnos Brasil:
São Paulo, 2002, nº 1. p.11-20.
____________.
(org.) Superando o racismo na
escola. Brasília: Ministério da Educação, 2000.
ORTIZ,
Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. 5ª ed. São
Paulo: Brasiliense. 1994.
SCHWARCZ,
Lilia. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Cia. Das Letras. 1993.
________. E
QUEIROZ, Renato (orgs.). Raça e Diversidade. São Paulo: Edusp. 1996.
SANTOS,
Gislene. A Invenção do Ser Negro: Um percurso das idéias que
naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp; Rio de Janeiro:Pallas,
2002.
__________.
Selvagens, Exóticos, Demoníacos: Idéias e imagens sobre uma gente
de cor preta. (mimeo).
__________.
(org). Universidade, Formação e Cidadania. São Paulo: Cortez.
2001.
SANTOS,
Milton. “O intelectual negro no Brasil”. In: Ethnos Brasil: São
Paulo, 2002, nº 1. p.7-10.
SILVA,
Denise Ferreira. “Raça e Nação na construção do espaço global moderno”. In: Ethnos
Brasil: São Paulo, 2002, nº 1. p.39-48.
SILVA,
P.B.G. e MONTEIRO, H.M. “Combate ao racismo e construção de identidades”. In:
ABRAMOWICZ, A. e MELLO, R.R. (orgs). Educação, Pesquisa e Práticas.:São
Paulo: Papirus, 2000.
SOUZA,
Antonio Cândido. “Racismo: crime ontológico”. In: Ethnos Brasil:
São Paulo, 2002, nº 1. p.21-28.
Nenhum comentário:
Postar um comentário