domingo, 27 de maio de 2012

Brasil e África- Teorias Eugenistas.


Brasil e África- Teorias Eugenistas.
No Brasil, desde a chegada dos primeiros africanos, várias ideologias sobre o negro vêm sendo elaboradas e divulgadas. Teóricos de diferentes áreas do saber tentaram explicar e marcar a diferença entre os povos brancos e os povos negros das mais diversas etnias.
Alguns autores consideram que o contato entre os povos europeus e os povos da África sempre foi marcado pela estranheza em função, principalmente, das diferenças de hábitos, costumes e da cor da pele.
Segundo Gislene Santos (2002)  a cor negra já era associada à características negativas antes mesmo da elaboração do conceito/idéia de raça como elemento de diferenciação de grupos; e já no século XVIII, as concepções racialistas lançavam as bases para o racismo desenvolvido ao longo de todo o século XIX.
As teorias raciais ganharam embasamento através da biologia e antropologia com suas técnicas de mensuração. Teorias, essas, criadas por europeus, e que identificavam na raça branca todas as características de superioridade e na raça negra as de inferioridade.
Ora, o apelo à raça foi inventado por homens que necessitavam de ideologias que contribuíssem, entre outras coisas, para a unificação nacional e justificasse, dessa forma a dominação do negro pelo branco (Arendt, 2000:189).
Para tanto, o negro teve sua condição humana negada, “todas as qualidades humanas são retiradas do negro uma por uma” (Munanga 1988:23). Os negros foram considerados seres desprovidos da razão, o que sempre foi tido como ponto de diferença entre o homem e os animais. E se não possuíam razão, logo, eram inferiores, não desfrutando, assim, dos direitos cabíveis aos homens, – podendo ser, dessa maneira, submetidos a toda forma de violência. Desprovido de humanidade, o negro foi escravizado geração após geração,  segundo as necessidades do imperialismo e foram considerados coisas e não pessoas.
Sabemos que diversos pensadores do século XVIII (Buffon, Diderot entre outros) desenvolveram teorias que permitiram a classificação dos homens em grupos e raças e que essas teorias racialistas foram fundamentais para a construção posterior, no século XIX,  de uma imagem do negro como ser inferior. A ciência funcionou como instrumento de dominação e de fabricação de ideologias.
“Antes do século XIX, os acadêmicos pensavam que todos os povos estavam aptos para progredir, mas, em meados do século, aumentou o apoio por uma teoria dos tipos raciais que defendia não terem certos povos, por causa de diferenças inatas, capacidade para avançar tanto como os outros. Os europeus tendiam a acreditar que as divisões entre si próprios eram pequenas em comparação com o fosso que separava os brancos das outras raças”.
 Michael Banton, 1977: 76-77.
As técnicas de antropometria[1] e frenologia foram utilizadas para justificar a inferioridade e a degeneração atribuídas ao negro, e confirmar a superioridade branca, quer dizer, a superioridade europeia.
Segundo Schwarcz, o evolucionismo social, ou seja, a aplicação das teorias evolucionistas de Charles Darwin ao meio social ganhou estatudo científico.  Cria-se, então, que havia grupos superiores, mais fortes e adaptados que deveriam comandar os inferiores e fracos. Mais que isso, pressupunha-se que esses grupos não sobreviveriam sem o auxílio dos mais fortes e que tenderiam, naturalmente, a desaparecer.
Os negros, considerados coisas e não pessoas durante todo o período da escravidão foram facilmente identificados a seres inferiores que aceitavam a submissão em função de sua incapacidade para uma vida ‘civilizada’ e culta’.
Essa questão se colocava a todas as colônias que utilizavam a mão-de-obra escrava e passou a representar um problema no momento de suas emancipações. Ser uma nação representava, de acordo com as teorias nacionalistas, ter um território unificado, uma lingua nacional, um povo capaz de desenvolver o mesmo conjunto de valores, costumes e leis, conforme salientam Eric Hobsbawn (1998) e Denise Silva (2002).
No século XIX, o Brasil ensaiava os primeiros passos como República, e buscava criar um Estado Nacional. Mas, havia um problema: como estabelecer uma nação em um país com tantos índios e negros, estes, recém saídos da escravidão? O que fazer com a população negra, para eles símbolo da inferioridade? Como um país que buscava o avanço poderia alcançá-lo e se constituir como uma nação com tantos elementos considerados selvagens, que não poderiam ser cidadãos, mas, que antes, limitavam a evolução amarrando o país ao atraso?
Como já foi dito, neste período os intelectuais brasileiros bebiam na fonte das teorias europeias e, para cá, trouxeram elementos do evolucionismo, darwinismo social e frenologia, adaptando e atualizando o que necessitavam. Segundo Schwarcz (1993: 19), isso tornava problemática a construção do pensamento racial brasileiro já que os teóricos brasileiros pensavem a realidade ‘nacional’ simplesmente como um duplo do que ocorria fora do país. A partir do século XIX foram criados, no Brasil, os Institutos Históricos e Geográficos que tiveram um importante papel na elaboração de novas imagens para o Brasil pós-colonial, sua história e territorialização. Para essa autora, era papel desses Institutos:
“Construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos dispersos (...) “Colligir, methodizar e guardar” (RIHGB, 1839/I) documentos, fatos e nomes para finalmente compor uma história nacional para este vasto país, carente de delimitações não só territoriais”.
Schwarcz, Lilia. 1993: 99.
Alguns dos principais ilustrados brasileiros que ajudaram a construir as teorias raciais do país, no século XIX, foram Silvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e Nina Rodrigues.
Esses cientistas encontraram reconhecimento dentro dos Institutos Históricos e Geográficos, e, posteriormente, dentro das Escolas de Direito e Medicina no Brasil. Os Institutos davam estatuto científico à construção ideológica da Nação, e às teorias do pensamento racial, que ajudaram a construir a imagem do negro como inferior.
O determinismo geográfico também foi utilizado para embasar essas teorias racistas. Exemplo disso está em uma publicação da Revista do IHGB:
“Dai-me a carta de um paiz, sua configuração, seu clima, suas águas, seus ventos e toda a sua geographia física, informa-me de suas produções naturaes, de sua flora e zoologia, e me comprometto a dizer-vos a priori qual será o homem deste paiz”.
RIHGB, 1839. Op.cit. p.109.
Foi no processo de eugenia que esses teóricos encontraram as respostas para o que consideravam o problema negro do Brasil. Através da miscigenação esperava-se que em cinco gerações o Brasil fosse um país branco.
Silvio Romero via na mestiçagem uma saída possível para o problema do Brasil. Já para Nina Rodrigues a miscigenação era a responsável por doenças, e causa da imperfectibilidade biológica. A eugenia[2] reverteria e salvaria o país da degeneração.
“Raça é um dado científico e comparativo para os museus, transforma-se em fala nos Institutos Históricos de finais do século, é um conceito que define a particularidade da nação para os homens de lei, um índice tenebroso na visão dos médicos. O que se percebe é como em determinados contextos reelaboram-se símbolos disponíveis dando-lhes um uso original. Se a diferença já existia, é nesse momento que é adjetivada”.
Schwarcz, 1993: 242.
De acordo com Kabengele Munanga (1996) racismo e preconceito existem em todas as civilizações e culturas, porém, o problema é quando são transformados em armas ideológicas para legitimar e justificar a exterminação, a exploração e a exclusão social.
Esse é o caráter do racismo brasileiro, através da ciência o pensamento racial é legitimado, e com ela a imagem de inferioridade e degenerescência que justificou a eugenia, a exploração e a exclusão social sofrida pelos negros e mestiços.
Contudo, é interessante perceber que há diferentes formas de se apropriar das  teorias científicas para definir, inventar ou construir uma imagem, idéia ou ideologia sobre o que é o negro. No século XX, em 1930, Gilberto Freyre, em sua obra “Casa Grande & Senzala”, inaugura a fase do racismo cultural criando um novo mito, o da “Democracia Racial” (idem. 1996). Nesta obra Freyre, aparentemente, se propõe romper com os preconceitos difundidos pelas ciência so século XIX e defende a positividade da formação étnica do Brasil que, por sua diversidade, não possuiria preconceito. Na realidade sua teoria de “harmonia racial” como a define Renato Ortiz (1994: 93), criou uma nova ideologia e forma de preconceito, que se manifesta até os dias de hoje, que é o preconceito camuflado e silencioso. Segundo Munanga, esta harmonia é de fato  um mito “pois a mistura [entre as raças] não produziu a declarada democracia racial, como demonstrado pelas inúmeras desigualdades sociais e raciais que o próprio mito ajuda a dissimular – dificultando, aliás, até a formação da consciência e da identidade política dos membros dos grupos oprimidos’ (1996: 216).
Ora, as ciências sempre consideraram o senso comum como o lugar dos preconceitos e da mais fácil absorção de estereótipos já que mais suscetível à imagens e ao imaginário. Contudo, o que se percebe é que o conceito do negro como ser inferior, no Brasil, foi construído com o apoio de diferentes ciências (geografia, climatologia, direito, medicina, antropologia, frenologia, filosofia, história, biologia, psicologia). E, aparentemente, somente algumas áreas (história e principalmente a antropologia) têm intensificado o debate, a reflexão e a crítica à essas teorias. Isso pode se constituir numa percepção equivocada da produção realizada em outras áreas, mas, quando se quer estudar e compreender as teorias sobre a inferioridade racial gestada outrora, somente encontramos (quase sempre) referenciais na antropologia. A pergunta que se coloca a partir disso é a seguinte: se todas as ciências listadas acima auxiliam a gerar o mito da inferioridade do negro, estariam agora contribuindo para desconstruí-lo? Se estão, de que forma isso ocorreria?
Sabemos que há uma produção intensa da historiografia referente à questão do negro no Brasil criando novas formas de se pensar sobre sua participação na história nacional (oficial e não oficial). São diversos os teóricos: Joel Rufino dos Santos, Emilia Viotti da Costa, Laura de Mello e Souza, Kátia Mattoso, Silvia Lara, entre os mais conhecidos no Brasil e no exterior. O direito, contribuiu com a revisão das leis e criação de novas formas de penalização do crime racial, o que só foi possível a partir de um estudo rigoroso sobre um assunto que vem sendo tema nacional desde a época de José Bonifácio, Perdigão Malheiros, Joaquim Nabuco, entre tantos que questionavam o direito natural a escravidão  até a produção contemporânea de autores como Hédio Silva Jr., por exemplo que desmacaram a subjetividade por trás das leis, o que impedem a penalização do crime de racismo. Já a antropologia é a referência usual de toda a reflexão sobre o negro e a área em que os debates sobre a questão racinal, no Brasil, tem sido mais constantes e profícuos, fato demonstrado pela menção aos autores que oferecem o fundamento teórico a esse texto. Mas o que teria sido produzido nas áreas da filosofia, psicologia, medicina, geografia e educação (Sabemos que a área de educação vem recebendo contribuição de diversos autores e pesquisadores preocupados em discutir não só o racismo impregnado nos livros didáticos, como também o silêncio em relação a essa prática em sala de aula. Não podemos ignorar a produção de Petronilha Silva, dos pesquisadores da Fundação Carlos Chagas, de Roseli Fischman, Eliane Cavalleiro, Irene Sales, Regina Pahin, Vera Lúcia, Ademil Lopes, Henrique Cunha e outros e mais outros. Em contrapartida, ainda parece haver um discurso forte dentro das universidades e instituições de ensino fundamental e médio que dificultam uma discussão intensa do problema do racismo e da discriminação nas salas de aula. 

Autoria de Lucimaro Adriano Wenceslau. Adaptado de WENCESLAU, Lucimaro A.  A invenção do Ser Negro (um percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade do Ser Negro). Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB, 2002. Nº 24, vol. 1.

[1] Antropometria e Frenologia são técnicas, da Antropologia, aplicadas para a mensuração do cérebro, que tinha como finalidade avaliar a capacidade humana. Também, a craniologia técnica e medição do índice cefálico. Essa linha teórica afastava cada vez mais dos modelos humanistas.
[2] Sobre eugenia ver Schwarcz, L. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Cia das Letras, 1993, p.60-61.

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